quinta-feira, junho 28, 2007

Bobagem

minha beleza não é efêmera
como o que eu vejo em bancas por aí
minha natureza é mais que estampa
é um belo samba que ainda está por vir
bobagem pouca, besteira
recíproca nula, a gente espera
mero incidente corriqueiro:
ser mulher a vida inteira

(céu)

Marcela a contragosto I

O que o Pepê mais gostava em mim era meu jeito de menina, deslumbrada com qualquer versinho que ele me cantasse, com um sonho de valsa, beijo na ponta do nariz. Dizia que as mulheres da idade dele já não se comoviam, não se permitiam viver leveza e encanto. Ele tinha razão: nunca imaginei como alguém pudesse desacreditar nos pequenos gestos, flores roubadas e bilhetinhos, no amor em doses homeopáticas. Aliás, como era possível não acreditar no amor?

Mas com o tempo, dizem, a gente amadurece.

Amadurece tanto a ponto de achar que é loucura querer alguém de verdade. E vira uma especialista em romances baratos, porque morre de medo de querer alguém de verdade. Aprende a enganar e trair, como uma vingança de si mesma. Acostuma-se com a falta de pressa, de cuidado, do sempre.

Não é tão difícil, é só dançar conforme a música, devagar, quase parando, 'com as mãos frias mas com o coração queimando'.

E tem também o truque das noitadas, de se sentir - ou achar que se sente - a mulher mais livre do mundo porque transa com todo mundo, no primeiro encontro, na rua na chuva na fazenda, com o chefe da sua amiga ou o amigo do seu chefe. As vezes se arrastam por meses, te convencem a andar de mãos dadas, pegar um cinema, a Livraria Cultura recém inaugurada, o Bonete em Ilha Bela.

Mas lembre-se: você agora é madura. E essa coisa de amor funcionava quando tinha dezessete anos e achava que o Pepê era pra sempre.

terça-feira, junho 26, 2007

palavra de mulher, mas é do chico

Pode ser
Que a nossa história
Seja mais uma quimera
E pode o nosso teto,
a Lapa, o Rio desabar
Pode ser
Que passe o nosso tempo
Como qualquer primavera. Espera
Me espera
Eu vou voltar

terça-feira, junho 19, 2007

mais blá blá blá

"Aí ele chega, tão lindo. E vai embora, tão feio. E liga, tão bobo. E some, tão especial. E eu morro, ainda que não ligue a mínima. E eu tô nem aí, ainda que pense o tempo todo em não estar nem aí. E eu abro a porta, a perna, a alma. E quanto mais abro tudo, mais me fecho. E sigo intacta, ainda que toda esburacada. E tenho a plena certeza que cometo o maior erro do ano, ainda que eu não duvide que todos os acertos são mesmo feitos assim: quando a loucura nos vence de alguma forma.
Depois, no dia seguinte, lá vem a ressaca. Sempre. Adoro minhas dancinhas e gracinhas e loucurinhas. Mas no dia seguinte acordo e me pergunto: por que é que você não faz cara de paisagem e permanece fina e permanece intocável? Por que é que você não consegue ser difícil, escrota e blasé? Adoro que a Grazi apareceu com seu vestido vermelho colante de couro por dez minutos e foi embora. Por que é que eu não vou embora? Aí a música começa e quando vou ver já imitei o Michael Jackson, a Madonna e o Tiririca, porque adoro me trair e estragar tudo. E todo mundo ri, mas ninguém me leva a sério. Mas será que quero? Mas será que alguém leva alguma coisa a sério?"

(pedaços emprestados, outra vez, da Tati Bernardi)

segunda-feira, junho 11, 2007

mais do mesmo ainda

Saiu sem avisar, sem levar nada. Deixou pra trás qualquer lembrança que fosse. Nem a escova de dente, nem o livro que ganhou de presente (deve ter desagradado). Nada. Nada que lembrasse os velhos tempos. Algum casaco pra proteger do frio, uma mala que fosse. Não, nenhum sinal de que não voltaria. Partiu como quem chega.

Mentalmente foi apagando o caminho da volta, o caminho que bem sabia até de olhos fechados. Foi como queria, como se nunca estivesse estado. Nem um telefonema -nunca foi disto, porque ligar justo agora? O que tinha para dizer que pudesse ser mais completo que o silêncio?

Na fila para o check in as mãos e o resto do corpo livres, livre também o que não pertencia ao corpo. Na mente planos, pensou para a frente, só. Era talvez o único a sorrir, o que lhe fazia valer o riso.

sábado, junho 09, 2007

reflexão relâmpago

Não gosto que me peguem. Pela cintura, ou esbarrando as mãos na minha barriga, mais uma das incríveis perguntas capazes de seduzir mulheres dóceis, rá, como eu:
- Você tem namorado?
- (Tenho uns ex disponíveis pros momentos em que um cineminha de mãos dadas faz falta, um bonitão esquisito que vira e mexe surge nas minhas badalações por aí e adora dormir de conchinha, e outro que costuma aparecer entre pontes-aéreas e intoxicações alimentares.) Não...

Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata

(Jards Macalé)

Meu amor é um tigre de papel
Range, ruge, morde
Mas não passa de um tigre de papel
Numa sala ausente meu amor presente
Me esconde entre os dentes
Depois me abandona e vai definitivamente
Definitivamente volta ilude desilude
Range ruge rosna
Velho tigre de virtudes
Nas selvas de seu quarto entre florestas, cartas
Frases desesperadas, lençóis
Onde me ama
Furiosas garras
Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata
Um tigre de papel perdido nos lençóis da casa.

segunda-feira, junho 04, 2007

mais do mesmo

Ela chegou em casa com a comida comprada pra dois, viu a marca no tapete. Ouviu na sala a mesma música insistente dos últimos meses. A tela do computador ainda guardava aberto um email. Nada de estranho, nada de novo. Soube que ele havia partido como quem sai para um dia de trabalho. Viu a água suja na banheira, o banheiro ainda quente, névoa da tarde fria. O espelho esfumaçado quase que ainda refletia aquela barba rala. Suspirou (aliviada?). Não derrubou uma lágrima sequer. Percorreu toda a casa atrás de um sinal mas não, ele só fez questão de deixar provas da ausência: a roupa por lavar, a louça na pia. Não se preocupou com bilhetes, com recados, evitou a despedida.

Ela demorou a ser acostumar, o que lhe fez mais falta foi a presença, foi saber que ele estava lá, que um abraço quente a esperava, que havia algum carinho guardado para receber. Pois sim, esteve tão guardado que venceu.

Ele levou consigo o impalpável: levou o riso e as lágrimas, levou todo o sentimento e algum traço de dúvida. Levou também parte de uma vida, quis apagar aquela existência. Fechou a porta, rumo ao novo. Queria algo leve.