segunda-feira, novembro 27, 2006

desmemoriada

Devo gritar, digo para mim mesma.
Mas ao teu lado me estendo imensa.
De púrpura. De prata. De delicadeza.
(Um pedacinho dos prelúdios-intensos para
os desmemoriados do amor, de Hilda Hilst)

terça-feira, novembro 21, 2006

e ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos...

Não sei sentir, não sei ser humano,
Não sei conviver de dentro da alma triste, com os homens,
Meus irmãos na terra.
Não sei ser útil, mesmo sentindo ser prático, cotidiano, nítido.
Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo.
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco, não sei qual, e eu sofri.
Eu vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos.
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente.
Mas para toda gente isso foi normal e instintivo.
Para mim sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto demais ou de menos.
Seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cotar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar pulos, de ficar no chão,
De sair para fora de todas as casas, de todas as lógicas, de todas as sacadas
E ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos.

(Trecho de Passagem das Horas, de Álvaro de Campos)

terça-feira, novembro 14, 2006

resposta para Marcela

Ficou em alguma dobra do tempo

Enterrado em um passado qualquer

Um amor que nunca morreria

Morto sozinho, sem memória,

sem amigo sem poesia

Pra relembrar a estória

Morreu de solidão como merecia

Eles já nascem demais

segunda-feira, novembro 13, 2006

inspiração para flávia e joana

Vê se me esquece
(Alice Ruiz e Itamar Assumpção)

Já que você não aparece,
venho por meio desta
devolver teu faroeste,
o teu papel de seda,
a tua meia bege,
tome também teu book,
leve teu ultraleve
carteira de saúde,
tua receita de quibe,
de quiabo, de quibebe,
do diabo que te carregue,
te carregue, te carregue
teu truque sujo, teu hálito,
teu flerte, tua prancha de surf,
tua idéia sem verve,
que nada disso me serve
Já que você não merece,
devolva minhas preces,
meu canto, meu amor,
meu tempo, por favor,
e minha alegria que,
naquele dia,
só te emprestei por uns dias
e é tudo que me pertence

PS: Já que você foi embora por que não desaparece?

sexta-feira, novembro 10, 2006

A Dama e o Vagabundo

Madame acha que é pra eu gostar do mancebo asseadinho, homem bom, do cabelo penteado, carro do ano, com saúde e emprego promissor. A Madame não entende que eu gosto mesmo é de cão vadio, homem doido, malaco véio, malandro da rua. Aquele tipo de cara simpático, neurótico, todo errado, por quem a gente inventa um amor estranho, que te vira do avesso e, mesmo assim, toda revirada, a gente ainda pede: fly me to the Moon?
Sendo bem etnocêntrica, imagino que este tipo de moço seja um tipo que, pelo menos grande parte das mulheres que eu co-nheço, ou seja, com pendor estranho, queira; porém, nem todas aguentam ter um exemplar ao lado. Porque dá defeito, problema, desenvolve TOC, acorda de ressaca, tem cheiro de roubada, enfim, é um daqueles escolhidos, como diria minha avó, com dedo podre. E, de alguma maneira, em algum surto lírico, as mulheres sonham, caladas, quietas, trancadas no quarto, sozinhas na casinha, com o tal homem do cavalo. E é difícil não fingir que aquele cara não é o do cavalo. Não, definitivamente ele não é o do cavalo. Mas ama sem ironia.
- Você merece coisa melhor, diz a Madame.
Desdenho. Haverá coisa melhor que um amor bandido? A Madame não se conforma. Como posso eu, moça de fino trato, boa cepa, com pendor arrogante, ar aristocrático, perder meu tempo com vagabundo? A Madame não cultivou o hábito de assistir Walt Disney.
***
É sem volta porque é em camadas. Está espalhado por todos os cantos, feito poeira, feito dia seguinte daquelas noites, peças de roupa por tudo que é lugar. Não é quartinho escuro que a gente tem a chave pra entrar, se tranca lá dentro, faz merda e depois veste o terno e vai pro serviço. Não, a coisa se impregna, está em tudo, na rotação e translação do mundo, na circulação do sangue, veias e artérias, na rejeição do mundo besta, na reincidente e trágica ida ao mundo besta acompanhada do cavalheiro errado que só ama se for em excesso. E por quem a gente revira os olhinhos.
***
Faça sua prece pra que a maluquice escolhida por você seja maluquice mas seja doce, delírio de doido manso, cabra alucinógeno, habitante de mundos fantásticos. E assim, toda obscuridade da loucura destrutiva fugirá de ti. Caso contrário, se tua estrada for da perdição, costure as cicatrizes do teu homem ao cair da noite e deixe ele te dar banhos de Cleópatra ao cair do dia.
***
E lembre-se do conselho da Fada Madrinha: nessas histórias de Dama e Vagabundo, tudo muda quando a Dama percebe que é uma rainha louca. Aí começa a ficar bom, o inferno aqui é mais embaixo.
(Antonia Pelegrino)

terça-feira, novembro 07, 2006

óbvio?

Me deu uma vontade de escrever de você aqui, o problema, como sempre, é que você não vai saber que você é você e outra pessoa pode pensar ser você. Bom, fica o registro... penso em você, ainda que você não exista, ou se perca em toda a minha confusão. Um dia te acho (ou esqueço) e aí vou escrever mais de mim.