domingo, outubro 22, 2006

(resgatando diários do último verão)

Fui decidida a não querer mais. Beijo no rosto e o velho texto batido dos amantes mal-amados, preparados desde o dia em que inventei um almoço ‘preciso falar com você’. Ele surgiu, idêntico, não parecia nem um pouco introspectivo como quis justificar suas últimas ausências. Falamos de coisas banais enquanto andávamos atrás do tal restaurante indiano, eu ria pouco, olhava longe, esbarrar, então, nem pensar. Comecei.
Acho que estamos vivendo coisas diferentes. Cansei de trepadinhas esporádicas e anônimas entre as suas horas vagas. Não porque eu não me divirta, mas porque não me bastam. Queria te ver mais. Não precisa ter nome ou muito telefone, nem sogra, nem rotina, mas um cineminha às vezes cai bem. Aquela coisa da insegurança feminina, até pode ser. É que toda vez que você diz não, parece nunca mais. Não vou ficar triste. A gente pode ser amigo, sei lá. Eu só precisava mesmo falar. Depois te devolvo aquele seu CD, aliás... Onde é que tá essa porra de restaurante? – ele me cutucou, sem saber que atrapalhava o gran finale no mundo encantado de marcela. Eu ainda estava quieta.
Sentamos por ali mesmo, uma comidinha caseira. E aí, direitos do consumidor, professores anarquistas, O segredo de Brokeback Mountain, aldeias indígenas, a cara de triste do garçom, mas o que é que você queria conversar, que falou tão séria no telefone? Ele. Eu, sorrindo, já nem sabia o que fazia ali, duas horas com ele e pronto, duas semanas sem apetite esquecidas na gaveta. Mal consegui perguntar por que tanta resistência (ele também não sabe).
Saímos dali de mãos dadas, como se tudo estivesse claro. Qualquer tentativa de beijo e eu fingia que não. Já sentados numa praça, enfim, me rendi. Fria, como se eu pudesse fazê-lo sentir toda aquela angústia de não entender. Melhor seria se ele tivesse desmarcado o almoço pra sempre, ou não reparasse nos meus cabelos mais curtos, ou não dissesse que eu estava bonita nesse vestido. Mas isso é coisa que passa?, tentei insistir. Mais uma vez, ele também não sabe. Dei o último abraço e cuspi pedaços sem poesia, eusintosaudadeevocê. Ele riu uma risada nervosa de quem tem vergonha, ou de quem nunca diz não.
Saí em direção ao caos, alcancei a Avenida aos gritos dele "isso passa, passa!", mas não recuei. Vim calculando a crueldade do 'não saber'. Ou talvez eu que não saiba levar foras sutis. Preferia um escândalo, com gritos roucos e chacoalhões. Mas no fundo acredito que ele realmente não saiba, e me sinto totalmente ingênua por isso. Porque eu tenho tanta pressa de viver, que não trocaria dúvida nenhuma por um beijo dele.
E na volta pra casa, fui surpreendida por uma chuva de verão, que me trouxe Caetano:
"Amores do passado, do presente
Repetem velhos temas tão banais
Ressentimentos passam como o vento
São coisas de momento
São chuvas de verão..."
Toca eu cantarolando outra vez, pronta pra continuar inventando romances em noitadas de não saber.

Mimi e Cocó

Eu sei que a gente é amiga porque vira-e-mexe a gente precisa se ver. Não é todo dia. É uma vez ou outra, porque a amizade compreende as diferenças. E quando dá pra gente se encontrar, é uma alegria só, mesmo que cada uma chore as pitangas na sua vez de falar.
Eu sei que a gente é amiga porque aos seis anos de idade isso já era verdade. E criança não mente sobre o que sente. Ela era cumprida e eu era uma bola. E a gente já era feliz, mas mesmo assim chorava as pitangas.
Ela me abre a casa se eu bater na porta de madrugada, e também abre um sorriso quando eu me sinto feliz. Por isso eu sei que ela é mesmo minha amiga. E eu a entenderia se ela quisesse abrir o berreiro durante o show do Chico Buarque ou se ela quisesse ir de mala e cuia para o Peru e voltar no dia seguinte. Por isso ela sabe que eu sou amiga dela também.
E eu já tentei fazer um milhão e meio de poesias pra ela. Mas fracassei. Não tem métrica que abrace uma amizade. E não existe liberdade organizada. Está tudo no ar, no espaço de ontem, nas cartas antigas, nas salas de aula, nos medos de hoje. Está tudo ali perto da Av. Paulista, da Vila Mariana, da Bahia de Jorge Amado, da voz de Maria Rita. Está tudo no nosso universo escrito, no nosso universo calado e no nosso universo líquido.

E eu sei que a gente é amiga porque a gente vira uma dose de pinga e não faz cara feia. Depois volta pra casa, ora sorrindo e ora chorando as pitangas.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Atrás da porta

... sem carinho, sem coberta...